Sentia-se
inusitada pelo nome dado por seu pai: Adineva. Nome dado graças à carreira de
engenheiro civil de uma pequena cidade às margens do esquecimento, como não
poderia nomeá-la como Viela, Travessa ou coisa similar, conteve-se em usar
avenida como protótipo invertido.
Família
mais esnobe do que nobre, religiosa por demais, quase intolerantes ao extremo,
sua diversão no fim da tarde limitava-se a ler com veemência os livretos
religiosos, a bíblia e escutar as pregações do pastor pelo rádio de válvulas
imensas, além de sorver a água purificada pelas orações, acomodada no copo que
ficava em cima do rádio, e as beatificações órficas, um ritual contínuo.
Quando
Adineva, filha única, ficara órfã, aos 37 anos, por causa de um acidente
envolvendo uma carroça, o carro de seus pais e um carro funeral, pensara que
não suportaria. O que fizera: agarrara-se mais às leituras religiosas, ao luto,
à mesquinhez de uma vida solitária. A vizinhança a chamava de Adinegra, pois
nunca deixava de sair coberta de negro e seus livros todos. Os adultos tinham
medo, as crianças deboche.
Adineva
nunca se incomodava com as pessoas, pois a fé e suas fervorosas orações lhe
consolavam, mesmo diante do medo de nunca casar. Fora em maio dos seus 39 anos
que começara a adoecer, ou a perceber que piorava gradativamente. Tonturas,
enjoos, queimações no estômago, pensou: estou grávida. Afinal, era tão
imaculada quanto a mãe de Cristo que Deus não poderia ofertar melhor dádiva do
que conceber um filho por obra do Espírito. Suas regras haviam parado, o que
corroborara suas intuições.
Nesse
período de gestação pouco saía de casa, sua barriga aumentara, os enjoos também.
Estava feliz por ser mãe, sem corromper sua carne. Pensara em mandar uma carta
para o pastor explicando o caso, tudo graças à Deus. Aumentaram as dores.
Finalmente, depois de quatro meses fora ao médico, que a escutou, auscultou,
examinou e concluiu: não há gravidez, mas gravidade. Seu fígado estava com dimensões
titânicas, estava doente, porém, não sabia a causa, nem a devota.
Fora
para casa, chorou, orou, devorou seus livros todos e dormiu. Na semana seguinte
o médico diria o resultado dos exames: contaminação. Mas como? Indagava. A
senhora ainda tem os mesmos hábitos de seus pais? Inquiriu o médico. Consentiu
com a cabeça. Então, provavelmente a água de que bebe esteja contaminada por
causa da irradiação daquele velho rádio.
Um
exame da água corroborou a teoria do médico. Enfurecida, raivosa, descrente e
decepcionada, destruiu o aparelho à machadada e o queimou com toda literatura
que dispunha, cortou o longo cabelo, subiu num salto e transformou a casa num
bordel literário: lia-se o que se quisesse, contanto que desse prazer...